January 10, 2012

#PL118 - Resposta ao artigo de opinião de Catarina Martins

For my English readers: sorry, this is one of those rare occasions where I am posting in Portuguese. Don't be afraid - it's all for a good cause.


Este artigo é um comentário ao artigo publicado pela Catarina Martins, intitulado Cópia Privada, e aconselho a sua leitura antes de ler a minha resposta. Isto foi escrito originalmente para colocar como comentário no referido artigo. Infelizmente o sistema de comentários naquele site não permite comentários com mais de 1000 caracteres, e eu alonguei-me um bocadinho mais...

Catarina:

Prometi-lhe uma resposta e aqui a tem. Infelizmente o tempo não me permite a esta altura dar-lhe uma tão detalhada como queria, mas, para já, esta bastará.

Comentando desde o princípio, parece-me que está a misturar "Lei da Cópia Privada" com "Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos". O CDADC existe, sim, e prevê já - desde 1998 - uma compensação aos autores pela cópia privada. De 1991, altura em que a cópia privada passou a ser uma utilização legal da obra, até 1998, altura em que se introduziu a referida compensação, havia o direito à cópia privada, mas não existia qualquer tipo de remuneração ao autor por causa da referida cópia. E que diz o CDADC sobre essa remuneração?

"Com vista a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos, uma quantia é incluída no preço de venda ao público".

Isto é diferente de dizer que "considera-se esta uma forma de devolver aos autores uma parte da riqueza que criam e que nunca lhes é paga" - a taxa da cópia privada não é devolver nada aos autores, é algo que se lhes dá para os benificiar. Concordamos que esta não é, contudo, a melhor forma de os beneficiar, e que uma melhor forma de o fazer seria, por exemplo com "um investimento público forte na cultura e na ciência". Mas mais do que não ser a melhor forma, esta é uma forma injusta e datada. Injusta, porque ao contrário dos impostos que podem (ou poderiam) financiar o investimento público referido anteriormente, a taxa à cópia privada não distribui equitativamente (ao contrário do que se supõe com os impostos) a contribuição que cada um deve dar para munir o Estado das condições necessárias para exercer os seus propósitos (incluindo investir na Cultura). Ao invés, tenta aplicar um princípio de utilizador-pagador, tal como este é aplicado, por exemplo, em auto-estradas (e do qual o Bloco de Esquerda se tem manifestado, acertadamente na minha opinião, contra). Datada, porque se já seria difícil aplicar adequadamente tal taxa na altura em que ela foi introduzida no CDADC, actualmente é, simplesmente, impensável. Não é possível hoje em dia distinguir o telemóvel que vai ser usado para fazer cópia privada daquele que não vai ser. Não é possível distinguir o cartão de memória que vai ser usado para fazer cópias privadas daquele que não vai ser. E por aí em diante.

Para lhe dar um exemplo: os meus pais, que duvido que durante toda a sua vida tenham usufruído do direito à cópia privada, têm, entre os dois, dois telemóveis (actualmente, eles são trocados por outros com alguma regularidade), um computador (com disco rígido) e um cartão de memória. Os telemóveis usam-nos para fazer e receber chamadas, o cartão de memória está numa moldura digital para poderem ver as fotografias de familiares, e o computador é para escreverem textos, e nem ligação à internet tem. Porque é que eles terão de pagar uma taxa à cópia privada, se não fazem a referida cópia? Temos também exemplos opostos: li recentemente um artigo de opinião num blog, em relação a esta Proposta de Lei, de alguém que diz que entre fotografias e vídeos dos miúdos, gera em média 5Gb de informação. E repare-se que isso não equivale a 5Gb que serão taxados: todo o conteúdo dele é gravado em backup num sistema NAS e com vários discos externos fora de casa, para garantir que não perde informação (sim, nós informáticos temos tendência para ser paranóicos ;-)). Significa isto que ele ocupa, no mínimo, mais 20Gb de espaço de armazenamento - que com esta proposta de Lei passa a ser taxado - a cada mês que passa. É justo que ele tenha que pagar uma taxa à cópia privada por ser um pai tão babado? E se o propósito é ainda o original - seja ele o incentivo à cultura ou devolver aos autores uma parte da riqueza que criam - que sentido faz que o Rui Carmo pague muito mais por isso do que os meus pais?

Mas mais do que simplesmente injusta e datada, a taxa agora proposta é também ignorante (juro que tentei encontrar melhor adjectivo, mas este é o que assume o "menos-mal"...). Ignorante, porque ignora aquilo que qualquer pessoa da tecnologia poderia ter dito se lhe fosse pedido para analizar a proposta: há que entrar em consideração com a Lei de Kryder. Esta Lei (não no sentido legal), que transpõe a Lei de Moore para o storage, diz que a cada dois anos a mesma gama de produtos de armazenamento de dados tem o dobro do espaço de armazenamento e um preço ligeiramente inferior. Não estando quantificada a diminuição de preço, podemos assumir que ela não existe, e mesmo assim chegamos à conclusão que, por exemplo, um disco rígido que, nos dias de hoje, custa 88.62 Euro sem IVA, passa a custar 108.62 (uma taxa à cópia privada de 23%), mas daqui a dois anos um disco do mesmo preço base levará uma taxa de 51%, e daqui a quatro anos essa taxa será de 107% - pagando o utilizador final mais de taxa do que pelo próprio dispositivo. E por falar em IVA - aplicar uma taxa antes do IVA não é ilegal, como se viu com o Imposto Automóvel?

Bem, este comentário já vai longo e não tenho tempo - por agora - para mais. E ainda só lhe comentei o primeiro parágrafo! :-) Ainda assim, espero que este meu contributo inicial possa servir para lhe mostrar um pouco da minha opinião em relação a esta Proposta de Lei, e espero que cumpra também o meu objectivo com ela de a fazer repensar e reflectir mais sobre o que aqui se propõe. Lerei de todo agrado uma resposta a este comentário, se optar por fazê-lo.

Com os mais respeitosos cumprimentos,
Marcos Marado
Autor e Cidadão Português

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